Para especial infelicidade dos adeptos de futebol, o surto pandémico COVID-19 acarretou a suspensão do “desporto rei” e ainda o término antecipado das competições secundárias da modalidade no nosso país. Entretanto, os clubes profissionais decidiram voltar aos treinos coletivos no respetivo complexo desportivo e preparam-se para reiniciar a competição suspensa em março último.
Sem prejuízo do amplo diálogo entre as entidades relevantes nas quais se enquadram, estas decisões podem, igualmente, ser enquadradas na perspetiva do quadro de deveres dos administradores das sociedades desportivas.
Com efeito, os administradores das sociedades desportivas – à semelhança do regime geral aplicável às sociedades comerciais e por força do regime jurídico das sociedades desportivas (RJSD) – encontram-se obrigados a cumprir diligentemente as obrigações que derivam das funções que assumem, em conformidade com o interesse da sociedade. De acordo com as regras aplicáveis, estes devem ainda agir, sempre, com o cuidado “que se espera de uma pessoa medianamente prudente em circunstâncias similares.”
Neste particular, estão em causa, concretamente, os deveres de cuidado – ou na expressão anglo-saxónica duties of care – que, sinteticamente, se reportam à obrigação por parte dos administradores de aplicar todo o seu conhecimento, tempo e esforço nas suas decisões administrativas, controlo societário e atividades de organização. Do dever geral de cuidado plasmado na lei, podemos retirar concretamente vários elementos: “a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da atividade da sociedade adequados às suas funções, empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado.”.
Em relação ao contexto desportivo, no que à disponibilidade exigida diz respeito, depreendemos que os gestores têm de exercer as suas funções em regime de exclusividade, de acordo com o disposto no RJSD, “os membros executivos dos órgãos de gestão devem dedicar-se a tempo inteiro à gestão das respetivas sociedades”, sem prejuízo das normas legais previstas para a acumulação e/ou suspensão temporária de funções, plenamente aplicáveis e oportunas em muitas situações.
A referida disposição, em nada provoca estranheza ou incompreensão, dada a profissionalização, mercantilização do desporto na sociedade moderna e a responsabilidade que é administrar uma sociedade desportiva, que requer a atenção máxima dos seus responsáveis, sob pena de gerar prejuízos não só para a sociedade em si, mas como para os elementos integrantes e terceiros.
Quanto à competência técnica e o conhecimento da atividade da sociedade adequados às suas funções, será fácil depreender da letra da lei que exige aos administradores um know-how especializado, adaptado ao setor e também um conhecimento geral relacionado com gestão de sociedades comerciais.
Este facto dever-se-á, também, à profissionalização do setor, que é relativamente recente e que no mundo académico se tem vindo a apresentar cada vez mais como uma carreira sólida e promissora, dada a empregabilidade que apresenta e a sua inerente atratividade. Felizmente, e em prol de potenciar competitividade do desporto português, as federações, associações desportivas, o ensino superior e até entidades privadas têm apresentado cada vez mais ofertas formativas, desde à área do scouting à administração executiva de uma sociedade desportiva.
“O dever geral de cuidado, no entanto, pode e deve auxiliar o administrador como uma verdadeira guideline na sua atuação…”
Estas noções ganham particular importância, quando a sociedade desportiva atravessa momentos conturbados como os que vivemos, já que as circunstâncias acabam por afetar e dificultar o exercício do poder decisório pelos administradores. O dever geral de cuidado, no entanto, pode e deve auxiliar o administrador como uma verdadeira guideline na sua atuação, dado que o cumprimento do mesmo preveni-lo-á, eventualmente, de ser responsabilizado pelas suas decisões.
A situação pelo qual o nosso país (de momento) atravessa demonstra a dificuldade de tomar decisões em circunstâncias tão particulares, mas que para salvaguarda da sociedade desportiva têm de ser tomadas na ótica dos seus responsáveis. O “simples” regresso às instalações de treino e à própria competição, apesar de ser extremamente benéfico para os atletas em termos físicos e competitivos, teve – e tem diariamente, diríamos – de ser minuciosamente analisado, dado que o contágio dos atletas poderá trazer sérios prejuízos para a sociedade desportiva, não só de ordem patrimonial, como também de reputacional. Neste contexto, revela-se de extrema dificuldade afigurar qual é a decisão que vai mais de encontro aos interesses da instituição, dado que por um lado há que zelar pela saúde dos atletas e por outro, há que zelar necessariamente pela “saúde” financeira e competitiva da sociedade desportiva, que por sua vez funcionam em simbiose.
O decision making process, tem de atender às circunstâncias do momento e assegurar que o resultado do mesmo tem presente um “racional económico orientado por critérios de eficiência”. Não tem de ser necessariamente a melhor decisão, mas sim a que mais se coaduna com o interesse da sociedade desportiva que, não é exclusivamente patrimonial, mas é indispensável ao seu funcionamento.
Contudo, são estas situações inesperadas que provocam o aprimoramento do setor e que mostram que o conhecimento especializado pode e deve aumentar no seio da indústria desportiva. O mesmo será conveniente, não só para a gestão de eventuais futuros infortúnios, mas também para o seu habitual funcionamento, para deleite de todos os envolvidos e aficionados do beautiful game, que tão ansiosamente aguardam pelo seu regresso.
Francisco Girão Figueira | Advogado estagiário na Costa Pinto Advogados
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