A entrega e a dedicação ao(à) outro(a), à causa do outro, às causas dos outros são a constante preocupação e a razão cimeira da nossa existência, enquanto Advogados e Advogadas.
É uma verdade insofismável que um(a) Advogado(a) tem de adoptar um código de conduta que, nas avisadas palavras de Ary dos Santos, lhe permita lograr a proeza do “…alheamento completo de si para uma absoluta dedicação aos outros.”
Todavia, não deixa de ser igualmente verdadeiro que o problema da respeitabilidade da Advocacia portuguesa se conexiona, e até depende, da viabilidade económica da nossa nobre profissão.
Não deixa de ser também factual que os/as Advogados/as têm olhado pouco para o que se passa com a sua própria classe profissional, alheando-se de um debate que se impõe, que é urgente e que diz respeito à cobrança dos seus honorários.
Esta questão que tem sido postergada, desde logo por omissão legislativa, – visto que o Regulamento das Custas Processuais, apesar da sua recente alteração, introduzida pelo DL n.º 86/2018, de 29/10 – mantém inalterado, ano após ano, o seu artigo 4.º, norma que rege a propósito das “Isenções” e das mesmas continuam ausentes os/as Advogados/as quando litigam “…em quaisquer acções em que sejam parte por via do exercício das suas funções.”
Não muito remotamente, a Advocacia portuguesa demonstrou a sua vontade e a sua pretensão nesta matéria. Fê-lo, pelo menos em 2011, por ocasião do VII Congresso dos Advogados portugueses, momento em que foi aprovada, em sessão plenária, a seguinte conclusão: “Quando demandados por via do exercício das suas funções, devem os Advogados ser isentos de custas, à semelhança do estatuído para outros agentes judiciários”.
É certo que a Ordem dos Advogados pouco ou nada se tem ocupado desta questão, talvez pela empedernida reticência, genética e património comum da verdadeira Advocacia, de advogar em causa própria. O espírito do/da Advogado/a é o de serviço, de entrega exclusiva a outrem, sem curar dos seus próprios interesses, as mais das vezes.
Todavia, as transformações sociais e económicas reclamam que a nossa classe profissional não fique alheia a esta questão e deva compreender que esta questão não é somente interna. Trata-se de um problema pungente, pelo que é imperativo que a Ordem dos Advogados (que deve reflectir em cada momento histórico o pensar e o sentir da Advocacia) se debruce sobre este assunto, com afinco, para criar mecanismos – incluindo o colmatar da predita lacuna legislativa – que garantam a cobrança das dívidas (emergentes de honorários não pagos pelos clientes) possa, e deva, ser mais célere, mais eficaz e menos onerosa.
Se é verdade que, nos primórdios, o conceito de “honorários” – como a etimologia da palavra indica – estava intimamente ligado à “honra” dos nossos representados que, pagando-os de forma espontânea e voluntária, de acordo com a sua capacidade económico-financeira e o resultado obtido, cumpriam a sua obrigação, também não deixa de ser verdade que os tempos que vivemos introduziram complexas mutações na vida dos Advogados e das Advogadas, que têm de cumprir as suas obrigações estatutárias e deontológicas, pugnar no foro, e fora dele, pelos seus clientes, administrar os seus escritórios e fazer face às despesas com o seu funcionamento, suportar os encargos com a vida familiar, o que nos obriga a ter presente quão importante é receber atempadamente os seus honorários, com vista a assegurar a viabilidade da permanência na própria profissão e, sobretudo, garantir a verdadeira independência do seu múnus. Por outro lado, desta liberdade, núcleo vital da Advocacia, depende a Respeitabilidade que se granjeia no exercício da profissão, a qual é absolutamente imprescindível à defesa dos direitos, das liberdades e das garantias de quem recorre aos serviços de um/a Advogado/a.
Não será arriscado afirmar que a esmagadora maioria dos/as Advogados/as conhecem o “calvário” em que se pode transformar a cobrança coerciva de honorários que implica que se tenha de pagar taxas de justiça, as despesas decorrentes da citação do devedor, suscitar eventuais incidentes na acção de honorários, pagar os emolumentos devidos pela emissão de laudo, por banda do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, suportar os honorários de agentes de execução (na fase executiva), demais encargos e custas.
E, como se já não fosse excessiva tanta labuta para ser pago/a, não raramente o/a Advogado/a que clama pelo pagamento é “brindado” com uma queixa do/da cliente que, sem pudor, lavra uma qualquer denúncia, junto dos órgãos disciplinares da Ordem dos Advogados.
E é importante que os órgãos executivos e disciplinares da Ordem dos Advogados não se transformem, por esta via, em aparelhos para causticar quem, outrora, foi o único porto seguro do cliente denunciante!
Para que a Advocacia seja, efectivamente, uma Profissão Nobre, Acreditada, Forte e Respeitada por cidadãos e demais operadores judiciários, os/as Advogados/as devem viver e sobreviver justamente dos proventos que retiram da sua actividade. É esta advocacia que se deve desejar e pela qual vale a pena pugnar! Nunca uma advocacia de mão estendida, penhorada e acocorada, no limiar da sobrevivência.
Urge, portanto, que a Ordem dos Advogados reverta com urgência este status, dotando-se de estruturas organizadas para (re)conquistar todo o prestígio que a Advocacia deve ter numa sociedade de Direito! Não servirão as quotizações pagas para se conseguir avançar neste rumo?
Os mecanismos para auxiliar os/as Advogados/as a cobrar os seus honorários de forma rápida, com menos custos e menor incomodidade deverão ser configurados, sem qualquer mundovisão corporativista, mas para cumprir o escopo para que foi criada a própria Ordem: pugnar pela Advocacia de excelência, propugnar por uma Advocacia acreditada junto da comunidade, para melhor servir a Cidadania.
Saibamos nós, com o espírito de missão e estoicismo, com a resistência hercúlea e a mesma couraça e alma de santo, a mesma energia mental do mais fino quilate e a mesma paciência sem limites – com que diariamente palmilhamos teclados de computadores, salas de reuniões, corredores de repartições, salas de audiências, para nos dedicarmos em absoluto ao/à outro/a – descer desse pedestal para (ainda que aparentemente, como se demonstrou) advogarmos em causa própria.
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