Já anteriormente neste espaço, Ana de Oliveira Monteiro tinha abordado o tema da elevada taxa de encarceramento que caracteriza o sistema prisional português.
Não tenho dúvidas de que, nos próximos anos, este será um dos principais temas da discussão pública em matéria de justiça penal, uma vez que, pelos relatos conhecidos dos principais operadores do sistema de execução de penas, verifica-se uma situação de difícil gestão das condições materiais actualmente existentes nas prisões portuguesas. Nessa medida, não é demais voltar ao assunto.
Por comparação com outros países com os quais apresenta semelhanças culturais, Portugal tem uma taxa de encarceramento muito elevada.
Com efeito, em Portugal, em 2015, havia 137,5 reclusos por 100 mil habitantes. Tal indicador, no mesmo ano, comparava com os valores muito inferiores que se verificavam, entre outros, na Holanda (53 reclusos/100 mil habitantes), na Alemanha (77 reclusos/100 mil habitantes), na Irlanda (80 reclusos/100 mil habitantes), na Itália (86 reclusos/100 mil habitantes), na Grécia (89 reclusos/100 mil habitantes) e em França (98 reclusos/100 mil habitantes), segundo os dados do Council of Europe Annual Penal Statistics — Space I: Prison Populations — Survey 2015.
Não parece existir nenhum elemento estatístico que indicie que tal discrepância se possa justificar por uma maior prevalência da criminalidade na sociedade portuguesa face aos outros países citados, o que sugere que as respectivas causas podem resultar, entre o mais, de características inerentes ao próprio sistema de justiça.
Esta elevada taxa de encarceramento, por um lado, é susceptível de potenciar o efeito dessocializador e criminógeno da pena, o qual se manifesta na integração do cidadão recluso numa espécie de subcultura prisional e, com isso, na sua marginalização face à cultura de fidelidade ao direito.
Por outro lado, contribui para a sobrelotação das prisões, com a consequente diminuição da capacidade do Estado de realizar, em condições dignas, as prestações sociais devidas ao cidadão recluso (garantia das condições de saúde e higiene, garantia das condições de instrução e formação profissional, garantia de acesso ao trabalho, entre o mais). Aliás, no Council of Europe Annual Penal Statistics identifica-se essa mesma situação de sobrelotação das prisões portuguesas, a qual, em 2015, rondava os 113% da capacidade instalada (por cada 100 lugares disponíveis, as prisões portuguesas têm 113 reclusos).
Várias medidas poderiam ser ponderadas para tentar melhorar este cenário, desde logo no que diz respeito ao reforço dos meios humanos e técnicos que promovam o efectivo acompanhamento social, médico, psicológico e jurídico do cidadão recluso, para efeitos de prevenção da reincidência. Colocando a questão numa dimensão exclusivamente economicista: considerando que cada recluso, em média, custa ao Estado português 41,22 euros por dia (valores de 2015), cada euro investido na prevenção da reincidência pode representar uma posterior poupança substancial no funcionamento do sistema prisional.
Neste momento, deixaria para ponderação apenas uma sugestão concreta, a qual aliás já foi debatida em diversos locais por Advogados e outros agentes judiciários.
De acordo com o artigo 44.º do CP, é possível aplicar pena de prisão em regime de permanência na habitação, com consentimento do condenado e com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
Contudo, tal solução apenas funciona quando a pena de prisão aplicada não for superior a um ano, podendo excepcionalmente ser admitida no caso de penas de prisão até dois anos, por motivos de gravidez, doença grave ou outra situação análoga do condenado.
Sem prejuízo de melhor debate, tal limitação aparenta ser excessiva, podendo ao invés ser equacionado um alargamento desse limite para três ou até mesmo cinco anos.
Por um lado, não se percebe por que razão é admitida a suspensão da execução da pena em casos de condenação em prisão até cinco anos e apenas se admite o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação quando a pena não é superior a um ano. Por outro lado, a permanência na habitação não impedia o Estado de realizar em benefício do condenado todas as referidas prestações sociais que visam a sua ressocialização (programas de instrução e formação profissional, programas de aconselhamento e/ou acompanhamento terapêutico de toxicodependentes, etc.), até porque o referido regime de permanência não é incompatível com as saídas pontuais e sob vigilância da habitação. Para além disso, esta medida teria a potencialidade de evitar os efeitos dessocializadores e criminógenos da pena, contribuindo para descongestionar a referida sobrelotação da população prisional. Finalmente, não obstante a sua previsão legal, o Tribunal sempre poderia recusar a aplicação desta medida no caso concreto, mesmo em relação a penas até três ou cinco anos, ordenando portanto o encarceramento do condenado, se entendesse que os fins das penas, nomeadamente o de prevenção geral, assim o exigiam.
Trata-se aqui de um debate que é importante dinamizar sem preconceitos, pois as prisões não valem por si mesmo e só fazem sentido se e na medida em que permitirem criar mais liberdade.
João Matos Viana | Fórum Penal – Associação de Advogados Penalistas
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