Encontra-se em consulta pública até 24 de março de 2017 um documento do Ministério da Justiça britânico relativo à responsabilidade das pessoas coletivas no crime económico (consult.justice.gov.uk/digital-communications.pdf). Pretende-se, com o referido documento, perceber se devem ser alteradas as regras de responsabilidade das pessoas coletivas relativas à prevenção de corrupção e à evasão fiscal.
No documento, começa-se por reconhecer que resulta da “common law” a vigência da “teoria da identificação”. Ou seja, a vigência de um regime segundo o qual os atos ilícitos dos dirigentes são considerados atos ilícitos da pessoa coletiva. Também conhecida por “teoria do alter-ego”, significa apenas que a empresa é responsável pelos atos dos indivíduos que estão à cabeça das mesmas.
No documento considera-se que a “teoria da identificação” pode ser ineficiente no contexto das grandes empresas e procura-se uma maior articulação entre a lei penal e a regulação setorial, em especial, no setor financeiro. Um dos problemas que se aponta à “teoria da identificação” é não ser capaz de promover a prevenção do crime económico no contexto da boa governança corporativa, considerando os riscos de atuação ilícita por parte de funcionários sem funções dirigentes.
Por essa razão, em alternativa, discute-se a consagração de uma estrita “responsabilidade vicarial” ou reflexa. Ou seja, o ato ilícito do dirigente, mas também do funcionário ou agente, responsabilizaria a empresa, sem necessidade de provar o conhecimento ou cumplicidade dos centros de decisão da mesma.
Outra possibilidade é a responsabilização da empresa, ainda que sem necessidade de provar o conhecimento ou cumplicidade dos centros de decisão da mesma, não quanto à infração principal (por exemplo, corrupção), mas quanto a uma infração autónoma de violação do dever de assegurar que o crime [de corrupção] não seria praticado em seu nome ou no seu interesse. O critério, neste caso, está na falha de deveres de supervisão interna, considerando os autores do documento que este modelo pode ser mais adequado à natureza da “culpa” das pessoas coletivas.
Ora, quando se opta por um sistema de responsabilização da empresa por falha de controlo interno, é ainda necessário decidir se cabe à empresa provar que cumpriu os adequados procedimentos de controlo ou se cabe à acusação demonstrar que não foram cumpridos tais procedimentos.
E é nesta encruzilhada que se encontra a reflexão no Reino Unido: que modelo de responsabilidade das pessoas coletivas se revelará mais eficiente para prevenção do crime económico.
O debate não é novo, nem em Inglaterra, nem em Portugal. Mas é certo que, apesar de décadas de responsabilização das pessoas coletivas, ainda há muito caminho por trilhar.
Em Portugal, verifica-se que, apesar de alguma fecundidade académica, não é evidente a repercussão no processo legislativo. Acresce que a proliferação de modelos setoriais (ambiente, concorrência, comunicações, setor financeiro, etc.) não tem permitido a consolidação de um modelo de responsabilidade das pessoas coletivas, em especial no regime das contraordenações.
Nessas circunstâncias, o caso Português tem evoluído para uma progressiva erosão dos direitos dos arguidos, tanto na lei como na jurisprudência, sem que, quanto às pessoas coletivas, expressamente lhes sejam dados os estímulos necessários para mitigar a responsabilidade: o reconhecimento dos modelos preventivos que se considerem suficientes para o afastamento da responsabilidade.
Urge, por isso, levar o legislador a pensar na responsabilidade sancionatória das pessoas coletivas de forma global e integrada, sem a exclusiva preocupação de resolver problemas concretos de determinados setores, criando quadros de atuação, designadamente em matéria de controlo interno de cumprimento (compliance) que estimulem as empresas a investir na prevenção.
Pedro Duro | Fórum Penal – Associação de Advogados Penalistas
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