No passado dia 2 de Março foi publicada em Diário da República a Lei n.º 5/2017, a qual vem estabelecer o regime da regulação das responsabilidades parentais, por mútuo acordo, junto das Conservatórias do Registo Civil, em caso de separação de facto e dissolução de união de facto, e ainda entre pais não casados nem unidos de facto.
Tal novidade legislativa vem permitir aos pais unidos de facto e aos pais não casados recorrer ao mesmo tipo de procedimento junto das Conservatórias do Registo Civil, regulada no Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro, que já existia para os pais casados no âmbito de um processo de divórcio por mútuo consentimento.
Com a presente Lei, que entra em vigor no próximo dia 1 de Abril de 2017, procederam-se alterações quer ao Código Civil, na sua última versão, nos artigos 1909.º, 1911.º e 1912.º, bem como ao aditamento dos artigos 274.º-A a 274.º-C do Código do Registo Civil. Com efeito, os Progenitores que pretendam regular por mútuo acordo o exercício das responsabilidades parentais dos filhos ainda menores, ou ainda proceder a alteração de um acordo anteriormente já homologado, devem requerê-lo a todo o tempo junto de qualquer Conservatória do Registo Civil.
Quanto a esta novidade legislativa de recurso às Conservatórias do Registo Civil aos pais unidos de facto e aos pais não casados para regular o exercício das responsabilidades parentais dos filhos, sou da opinião de que o nosso legislador devia ter tido mais aprumo na escolha das palavras.
A mero título de exemplo, veja-se que esta nova lei procede a uma alteração ao Código Civil, no n.º 2, do artigo 1909.º, e adita, conforme já referido, ao Código do Registo Civil o art.º 274-A, sendo que no primeiro artigo o Legislador utiliza a expressão “os Progenitores podem” e no segundo artigo utiliza a expressão “os Progenitores devem”.
Sabemos que existe uma larga diferença entre estas duas expressões, sendo a primeira uma faculdade e a segunda uma obrigação. Posto isto, pergunta-se: no caso em que haja acordo dos Progenitores, devem aqueles recorrer à Conservatórias do Registo Civil ou podem? Não obstante a diferente terminologia utilizada nas disposições legais supra mencionadas, parece-nos que a resposta nos leva à obrigatoriedade de recurso das Conservatórias para regular, ou alterar, o exercício das responsabilidades parentais quando haja acordo dos Progenitores.
Continuando a análise da Lei 5/2017, de 2 de Março, resulta que o referido requerimento deve ser assinado por ambos os pais, ou pelos seus procuradores com os poderes necessários para o efeito, acompanhado do acordo que regule o exercício das responsabilidades parentais e ainda o acordo sobre alimentos.
Recebido o requerimento e respectivos acordos, compete ao Conservador apreciar o acordo apresentado pelas partes convidando os progenitores a alterá-lo se considerar que o mesmo não acautela o superior interesse das crianças, podendo determinar a prática de actos e a produção de prova eventualmente necessária.
Ora, parece agora resultar que o Conservador passa a poder apreciar, numa primeira fase, o teor do acordo a fim de avaliar se o mesmo acautela o superior interesse da Criança, algo que não acontecia anteriormente, conforme parece resultar do n.º 4 do artigo 14.º do Decreto Lei 272/2001, de 13 de Outubro, actualizado pelo Decreto Lei n.º 122/2013, de 26/08.
Com efeito, resulta agora do número 4 do artigo 274.º-A do Código do Registo Civil que só após apreciação do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais pelo Conservador é o processo enviado ao Ministério Público junto do Tribunal de 1.ª Instância competente em razão da matéria no âmbito da circunscrição da residência da criança, para que este se pronuncie sobre o mesmo no prazo de 30 dias.
Não havendo oposição do Ministério Público ao acordo apresentado pelos progenitores, o processo é remetido ao Conservador do Registo Civil para homologação, a qual produz os mesmos efeitos das sentenças judiciais sobre idêntica matéria.
Ainda quanto à apreciação do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais feita pelo Ministério Público, caso este último não considere que o acordo acautela devidamente os interesses das crianças, podem os Progenitores alterar em conformidade ou apresentar novo acordo, sendo, neste último caso, dada nova vista ao Ministério Público.
No n.º 4 do artigo 274.º-B do Código do Registo Civil, na redacção dada pela Lei 5/2017, de 2 de Março, resulta que o Ministério Público promove a audição da criança para apurar elementos que assegurem a salvaguarda do superior interesse da criança, aplicando-se com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 4.º e 5.º do Regime Geral do processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei 141/2015, de 8 de Setembro.
É de louvar, e grave seria se assim não fosse, a necessidade de promover a audição da criança, por parte do Ministério Público nos processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, ainda que por acordo dos progenitores.
O direito de audição e de participação da criança nos processos que lhe digam respeito têm manifestação em inúmeros instrumentos de direito internacional, instrumentos esses que exigem que a autoridade judicial, no caso deste diploma em concreto ao Ministério Público, deva assegurar a audição da criança, em função da sua idade ou maturidade, antes de tomar qualquer decisão nos processos que lhe digam respeito.
Ainda que estejamos perante processos de divórcio por mútuo consentimento ou de dissolução da união de facto que corram termos na Conservatória do Registo Civil, à luz da lei 5/2017, de 2 de Março, devemos sempre olhar para a criança como um ser dotado de direitos, direitos esses que devem ser assegurados por todas as partes intervenientes nos processos, pois só assim poderá ser respeitada a possibilidade de participação das crianças nas questões que lhes digam respeito.
Quanto à salvaguarda do direito de audição da criança, veja-se, a título de exemplo, o Regulamento (CE) N.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, comummente designado “Regulamento Bruxelas II BIS”.
Analisando as motivações 19, 20 e 21 e o previsto no disposto no n.º 2 do artigo 11.º, alínea b) do artigo 23.º, n.º 2, alínea c) do artigo 41.º e n.º 2, alínea a) do artigo 42.º, chegamos à conclusão que os princípios do exercício do contraditório e da audição da Criança são os alicerces jurídicos do Regulamento Bruxelas II BIS. Por outras palavras, uma sentença de um Tribunal Português, ou uma homologação de um acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais pelo Conservador, que tenha sido proferida sem que a Criança tenha tido a oportunidade de ser ouvida (ou a inexistência de um despacho que fundamente a não audição da Criança) levará a que a essa mesma sentença ou homologação não sejam reconhecida em outro Estado-Membro, por consubstanciar um fundamento de não reconhecimento ao abrigo do referido regulamento.
Assim, da conjugação destas disposições legais, a Criança tem o direito de ser ouvida e o direito a participar sobre as decisões que lhe digam respeito, devendo essa audição ser acompanhada, preferencialmente, por assessoria técnica ao Tribunal.
Em suma, parece resultar que a presente Lei 5/2017, de 2 de Março – que vem estabelecer o regime de regulação das responsabilidades parentais por mútuo acordo junto das Conservatória do Registo Civil em caso de separação de facto e de dissolução da união de facto, bem como entre pais não casados, nem unidos de facto – visa desonerar os Tribunais de Família e Menores neste tipo de matérias, esvaziando cada vez mais a competência daqueles em processos de natureza familiar e sobre crianças, conferindo, ao invés, maiores competências às Conservatórias do Registo Civil, e consequentemente aos seus Conservadores.
Texto escrito em conjunto pelo Dr. Rui Alves Pereira e pela Dr.ª Madalena Sepúlveda
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