Alteração ao Código Deontológico dos Jornalistas

Durante o mês de Outubro, os jornalistas foram chamados a votar as alterações ao seu Código Deontológico conforme proposto pelo Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas no 4.º Congresso realizado no início do ano, iniciativa que mereceu uma quase unanimidade na votação naquele congresso.

Segundo a informação disponível tanto no sítio daquele sindicato como no da Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas, pretendia-se adaptar o Código aos problemas e às necessidades que se colocam aos jornalistas e às mudanças sociais e constitucionais, considerando que a  última alteração ao Código ocorreu em 1993. A proposta consistia em autonomizar a cláusula de consciência dos jornalistas, compatibilizar o texto do Código com a redacção do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, explicitando no texto todas as situações consagradas no texto constitucional, e reforçar a protecção dos  menores.

A autonomização da cláusula de consciência, e a reprodução do texto do artigo 13.º seriam desnecessárias, uma vez que a cláusula de consciência se encontra consagrada de forma expressa e clara no artigo 12.º do Estatuto dos Jornalistas e as circunstâncias consagradas no artigo 13.º da CRP encontram reflexo expresso no artigo 14.º do mesmo Estatuto. Estas alterações têm, no entanto, a relevância de enfatizar que os jornalistas reconhecem estes direitos e se submetem a estes deveres por imposição ética, deontológica e não por imposição meramente legal, o que não é de somenos salientar.

No entanto, não obstante a facilidade técnica para exercer o voto (para além do voto presencial, em Lisboa, foi possível votar, nos dias 26, 27 e 28 de Outubro, através de uma plataforma digital criada pela Comissão da Carteira Profissional do Jornalista, apenas 347 dos 5746 jornalistas com carteira de jornalista válido votaram, o que representa pouco mais de 6% do universo e deveria fazer pensar sobre as razões desta ausência de intervenção, sobretudo quando está em causa um instrumento de autorregulação e considerando que a autorregulação tem sido uma das reivindicações dos jornalistas ao longo do tempo. Pode, por essa razão, questionar-se a representatividade da votação e o reconhecimento que venha a ter este instrumento no seio dos jornalistas.

Atentando de perto à votação que mereceu cada uma das propostas,  não pode, deixar de surpreender que, no que respeita ao alargamento da protecção de crianças e jovens, do universo de 324 votantes, 23 se tivessem manifestado contra (10), ou anulado o voto (13). Seria interessante poder conhecer o fundamento para a assunção de tais posições.

O anterior ponto 7, estabelecia que “O jornalista deve salvaguardar a presunção de inocência dos arguidos até a sentença transitar em julgado. O jornalista não deve identificar, direta ou indiretamente, as vítimas de crimes sexuais e os delinquentes menores de idade, assim como deve proibir-se de humilhar as pessoas ou perturbar a sua dor.” Mantendo o segmento inicial relativo à presunção de inocência e à protecção das vítimas de crimes sexuais e o segmento final relativo à proibição de humilhar e perturbar a dor das pessoas, o (agora) artigo 8.º consagra que “O jornalista não deve identificar, direta ou indiretamente, menores, sejam fontes, sejam testemunhas de factos noticiosos, sejam vítimas ou autores de atos que a lei qualifica como crime”.

A abrangência conferida pela nova redacção vai para além da protecção consagrada no Estatuto dos Jornalistas para as crianças, que apenas prescreve o sigilo quanto à identidade nos casos de se tratar de vítima de crimes contra a liberdade ou autodeterminação sexual, contra a honra ou contra a vida privada, ou quando seja aplicada uma medida tutelar “sancionatórias”, ampliação que se aplaude, de pé e com vénia.

Se a criança vítima ou envolvida em processos tutelares cíveis vê reconhecida a protecção contra a sua identificação, por via do Estatuto da Vítima e da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, igualmente aplicável, por remissão do Regime Geral dos Processos Tutelares Cíveis, a crianças envolvidas nesses processos, o mesmo não se passa(va) quanto aos jovens infractores, cuja preservação de identidade se encontra menos favorecida e encontra respaldo muito pouco significativo tanto na Lei Tutelar Educativa como na Lei Penal. Nesse sentido, a norma deontológica é devedora de igual júbilo.

Saúda-se, igualmente, a eliminação da expressão “delinquente”, que favorece um quadro facilitador da ressocialização, evitando a etiquetagem do jovem que pratica o facto e, como se vem defendendo, deslocando do agente para o acto a qualificante delitual. A sua substituição por autores de atos que a lei qualifica como crimes, sem relacionar à lei Tutelar Educativa como resultava do Estatuto, ainda que indirectamente por via da referência, ainda que indirecta, a medidas tutelares, permitirá interpretar de forma mais abrangente, alargando a menores que pratiquem crimes ao abrigo da lei penal, conquanto menores, o que igualmente se aplaude.

Trata-se de normativo deontológico que, seguramente, será reconhecido na prática por um número mais significativo de jornalistas do que o universo que o votou e a que a sensibilização que vem sendo feita nos últimos tempos não será, seguramente, alheia.

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