Um verdadeiro Novo Processo Civil? Breve análise reflexiva sobre a demanda de pessoa falecida

“Haverá paz no túmulo?” Alexandre Herculano

Decorridos alguns anos sobre a reforma do Processo Civil de 2013, pensamos que é chegada a hora de efectuar uma reflexão, ainda que breve, sobre alguns aspectos que teriam carecido de intervenção, mas que o legislador pátrio deixou intocados.

Neste conspecto começaremos pela questão da demanda de pessoa falecida previamente ao início da instância.

Tradicionalmente, era dado adquirido entre os processualistas que o processo civil português era enformado por alguns princípios inalienáveis e inamovíveis, por serem do mesmo estruturantes. Referimo-nos aos princípios do dispositivo, contraditório, legalidade, tutela provisória da aparência e submissão aos limites substantivos, bem como os da auto-responsabilidade das partes, da preclusão, da livre apreciação da prova, da aquisição processual, da imediação, da concentração, da oralidade e identidade do Juiz, da economia processual e da celeridade processual.

Assim nos ensinaram os Professores Manuel de Andrade e Castro Mendes.

Ulteriormente, quer a Doutrina, quer a Jurisprudência, laboraram aturadamente sobre outros princípios como os da regularidade da instância e o da dualidade das partes.

Convocaremos estes dois últimos à nossa análise por entendermos serem os que directamente se interligam com a mesma.

Assim, não podemos deixar de manifestar a nossa perplexidade ao verificar que o legislador do “novo” Código de Processo Civil deixou intocado o regime jurídico aplicável na circunstância em que o Autor demanda pessoa previamente falecida ao momento em que a acção é instaurada, mesmo naqueles concretos casos em que a conduta do Autor não deixa de ser abusiva, pelo que defendemos que o legislador deveria ter inovado, ao nível da respectiva consequência processual e cominado tal irregularidade na lide com a absolvição da instância.

Com efeito, pensamos que incumbe a quem demanda judicialmente outrem e propõe uma acção judicial, com as inerentes consequências gravosas para quem é demandado, fazê-lo de forma regular. A menos que possa demonstrar que, razoavelmente, tal não é lhe possível.

Parece-nos desprovido de sentido que, vivendo, como vivemos, numa sociedade das tecnologias de informação e comunicação, globalizada e com uma facilidade na obtenção de informação ímpar, continue a ser legalmente admissível, sem mais, demandar uma pessoa falecida, isto é, desprovida de personalidade jurídica e, portanto, também de capacidade judiciária (sem tê-lo feito consignar em sede de Petição Inicial, porque se o fizesse, bem sabia que a mesma seria imediatamente recusada, por força da prescrição contida no artigo 11.º do Código de Processo Civil ).

Ao nível da Jurisprudência tem sido acolhido o entendimento de que se pode accionar, de forma deliberada, pessoa que se sabe ter já falecido, sem que a parte que o faz seja sancionada com mais do que a suspensão da instância, quando tal informação seja carreada para os autos, de modo a diligenciar-se no sentido da promoção do incidente da habilitação de herdeiros.

Pois bem, discordamos frontalmente que esta possa ser a única reacção legal em face de tal conduta processual, muito menos, se fizermos uma interpretação actualizadora do preceito e, mormente, em virtude do facto de, como supra se explicou, vivermos na apontada sociedade globalizada e das novas tecnologias de comunicação e de informação.

É para nós, pois, uma evidência que o legislador do “novo” Código de Processo Civil, em 2013, perdeu uma oportunidade de plasmar uma solução mitigada que permitisse uma reacção do Tribunal mais adequada.

É nosso entendimento que sempre se terá de distinguir consoante tal facto ocorra por configurar uma postura de displicência, descuido indesculpável ou mero desmazelo por banda do Demandante, ou por uma absoluta impossibilidade em demandar os sucessores, a qual há-de surgir devidamente justificada. E, na primeira hipótese, tal conduta processual deveria ser cominada com a sanção processual da absolvição da instância, quando o óbito for conhecido nos autos e, apenas na segunda hipótese, então, ordenar-se a suspensão da mesma, para que se promova o competente incidente da habilitação de herdeiros.

Fazendo umo incursão na ratio do regime percebe-se, com facilidade, que esta solução foi acolhida e consagrada por razões de ordem prática, as quais, nos dias de hoje, perderam toda a actualidade.

Deste modo, entendemos que a boa técnica legislativa impunha a busca da tal solução conforme com os princípios básicos do direito processual pátrio, a regularidade da instância e, sobretudo, o princípio da dualidade das partes, pois que, actualmente, não há razões de substância que justifiquem a solução vigente.

Pelo que foi com perplexidade que constatámos que o Legislador do Código de Processo Civil de 2013 tivesse mantido, por omissão de intervenção legislativa expressa, esta solução legal que vigora desde 1939.

Note-se que já Alberto dos Reis a não louvava e, do nosso ponto de vista, muito acertadamente.

Um Demandante que assim proceda, por incúria, apenas logra o seguinte efeito processual, absolutamente desaconselhável: serem nulos todos os actos processuais praticados no processo após a data em que ocorreu o falecimento – o que no caso de ser demandada pessoa pré-falecida são mesmo todos –  que fossem insusceptíveis de decisão sem respeito pelo exercício do contraditório, pela parte falecida (vide artigo 269.º, n.º 1 e 270.º, ambos do Código de Processo Civil).

Torna-se, por essa razão, incompreensível o pouco caso votado pelo legislador hodierno a esta questão, o qual se limitou a praticamente transcrever uma solução, imperfeita, de lastro quase secular, que coloca grandes obstáculos de cariz prático, acarretando incerteza e insegurança jurídicas, potenciadora da violação do dever de cooperação processual e obstaculizando à realização de uma Justiça célere.

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