É sobejamente sabido que após a crise financeira que eclodiu nos Estados Unidos da América nos anos de 2007 e 2008, o sistema financeiro mundial se ressentiu e os estilhaços de tal crise se espalharam por todas as economias mundiais, não sendo exceção as que pertencem à União Europeia.
A confiança dos investidores internacionais e nacionais retraiu-se, o que gerou ondas de choque que adulteraram e agravaram a forma como se encararam os mercados, originando sessões muito difíceis para praticamente todas as bolsas mundiais, em especial para a de Lisboa.
A crise financeira demonstrou ainda que a grande maioria dos investidores, especialmente os investidores não profissionais, não possuíam conhecimentos suficientes para compreender em termos sequer aproximados as reais dimensões do risco associado aos produtos financeiros em que investiram.
Neste cenário de crise financeira que se vivenciou, foi criado um Grupo de Alto Nível sobre a Supervisão Financeira, que aconselhou a União Europeia a desenvolver e estipular um conjunto harmonizado de medidas de regulação financeira, Grupo esse que foi mandatado pela Comissão Europeia e presidido por Jacques de Larosière. O desígnio era estudar qual o melhor método para reforçar os mecanismos europeus de supervisão com a clara intenção de proteger os cidadãos e incutir novo espírito de confiança nestes relativamente ao sistema financeiro, o qual sem confiança não subsiste.
A partir de 2009 e 2010, na sequência do Relatório de Larosiére, a União Europeia criou uma vasta regulamentação tendente à harmonização dos ordenamentos jurídicos dos Estados-Membros no que concerne à supervisão financeira e procedeu ainda a uma reestruturação no modelo de supervisão europeia, fomentando-se paralelamente a transparência nas transações, investindo-se numa política de investimento esclarecido por parte dos investidores, tentando assim recuperar a confiança destes no sistema financeiro. Essa política de investimento esclarecido implicou que se redefinisse o modus operandi dos criadores, intermediários e entidades comercializadoras de produtos financeiros, designadamente no que se refere à forma de prestação de informações sobre esses produtos aos investidores e, principalmente, face a um investidor não profissional.
A 26 de Novembro de 2014, o Parlamento Europeu e o Conselho criou o Regulamento (UE) n.º 1286/2014, sobre os documentos de informação fundamental para pacotes de produtos de investimento de retalho e de produtos de investimento com base em seguros, conhecidos por “PRIIP’, do inglês Packaged Retail and Insurance-based Investment Products.
Este Regulamento é obrigatório e diretamente aplicável a todos os Estados-Membros a partir de 31 de Dezembro, já deste ano, e complementa outras medidas decretadas pela União Europeia no que se refere às medidas aplicáveis em sede de distribuição, previstas na Diretiva 2014/65/UE, relativa aos mercados de instrumentos financeiros, e na Diretiva 2002/92/CE, relativa à mediação de seguros.
Para que se perceba melhor o âmbito de aplicação deste Regulamento, comecemos por especificar melhor em que consiste um PRIIP, ou seja, um pacote de produtos de investimento de retalho – PRIP – e/ou num produto de investimento com base em seguros.
Por pacote de produtos de investimento de retalho entende-se um investimento, incluindo os instrumentos emitidos por special purpose vehicles ou por entidades com fins de titularização, que independentemente da forma jurídica que reveste, o valor que deverá ser no final reembolsado ao investidor se encontra dependente de flutuações ou oscilações, considerando a sua exposição a valores de referência ou dependente do desempenho do ativo subjacente, o qual não é adquirido pelo investidor não profissional. Por produto de investimento com base em seguros entende-se aquele em que se ofereça um valor de vencimento ou resgate, total ou parcialmente exposto, de forma direta ou indireta, a flutuações de mercado.
Ainda no enquadramento do âmbito de aplicação deste Regulamento, diga-se que o mesmo versa sobre as regras a seguir no fornecimento de PRIIPs a investidores não profissionais, sendo que se entende por investidores não profissionais clientes que não são clientes profissionais, ou seja, surge-nos como uma definição residual, sendo clientes profissionais aqueles clientes que satisfazem os critérios referidos no Anexo II da Diretiva 2014/65/UE, e que dispõem “da experiência, dos conhecimentos e da competência necessários para tomar as suas próprias decisões de investimento e ponderar devidamente os riscos em que incorre”, satisfazendo critérios como o da necessidade de obter prévia autorização e regulamentação para operarem nos mercados financeiros, como a sua dimensão individual (total de balanço, volume de negócios, fundos próprios), entre outros critérios. Todavia, deixa-se em aberto a possibilidade de serem tratados, mediante solicitação, como investidores não profissionais, requerendo assim um nível de proteção mais elevado, típico daquele que está reservado aos investidores não profissionais.
O principal objetivo deste Regulamento (UE) n.º 1286/2014 é, como se disse, restabelecer a confiança dos investidores, permitindo que os mesmos possam fundamentar a sua decisão de investir num ou noutro produto de forma esclarecida e ciente dos riscos que tal investimento lhes pode acarretar, proporcionando-lhes o conhecimento seguro e claro das características de cada produto, facultando-lhes a possibilidade de procederem a uma análise comparativa entre os diversos produtos possíveis e disponíveis. Pretende-se evitar o investimento desinformado, que tendencialmente conduz a perdas não ponderadas e totalmente imprevisíveis, pois não houve, por desconhecimento e no momento do investimento, uma adequação e ponderação do produto às necessidades do investidor.
Surgiu assim, para defesa do investidor não profissional e a bem do bom funcionamento de todo o sistema financeiro e transparência dos mercados de produtos financeiros complexos na União Europeia, a necessidade de se estipular regras uniformes no que concerne ao fornecimento de informações mínimas sobre os produtos financeiros no momento de escolher onde investir.
E para que as regras fossem claras, determinou-se quer a forma quer o conteúdo que devem ser respeitados nessa divulgação e fornecimento de informação pelos intervenientes envolvidos. O meio através do qual essa informação deve ser prestada será por documento onde conste informações de teor fundamental, é o denominado Documento de Informação Fundamental – DIF – o qual deve ser perfeitamente separado do prospeto comercial, devendo ser fornecido com uma antecedência razoável relativamente ao momento da realização da transação, seja qual for o lugar e forma da realização desta.
Estas obrigações de informação emergentes do Regulamento (UE) n.º 1286/2014 aplicam-se, como se referiu supra, não só aos produtores dos PRIIPs, mas também aos que sobre os mesmos prestem consultoria e a quem os comercialize, mas se a venda dos PRIIPs se destinar a um investidor profissional, não existe a obrigação para estas entidades de elaborarem o documento de informação fundamental.
Impõe-se assim que estas entidades, em momento anterior à formalização do investimento, prestem determinada informação e segundo determinados parâmetros. Essa informação deve ser clara, concisa, coerente com os documentos definitivos que se venham a elaborar para concretização do investimento e perfeitamente individualizada dos elementos que consubstanciem a promoção comercial do produto financeiro, embora não deva ser distinta.
Assim, o DIF deve ser em formato A4, redigido de forma sucinta e não exceder o máximo de 3 páginas. Os caracteres do documento devem ter um tamanho legível, devendo excluir-se todo e qualquer expediente que dificulte a compreensão e leitura do que dele conste. O DIF terá de conter algumas informações obrigatórias, como o nome do PRIIP, data do documento, identidade e contactos do seu criador e informações sobre a autoridade competente do criador. A sua estrutura será por secções, tendo cada uma delas como título uma questão relativamente às quais, em princípio, os investidores necessitam de conhecer as respostas para formarem a sua decisão de investir ou não.
As suas secções serão intituladas pelas seguintes questões:
- “Em que consiste este produto?”, onde se enuncia a natureza e principais características do PRIIP;
- “Quais os riscos e qual poderá ser o meu retorno?”, onde se deve expor de forma sumária o indicador de risco, qual a perda máxima potencial do capital investido, pressupostos em que se baseiam os cenários de desempenho do produto, quais as condições de retorno, se aplicáveis, e a política fiscal do Estado-Membro de origem do investidor não profissional no retorno efetivo;
- “O que sucede se o criador do PRIIP não puder pagar?”, onde se menciona a existência ou não de qualquer sistema de indemnização ou garantia aos investidores associado, e se existir quais as condições de cobertura e exclusões;
- “Quais os custos?”, onde se referem os custos, diretos e indiretos, associados ao PRIIP;
- “Por quanto tempo devo manter o PRIIP? E posso fazer mobilizações antecipadas de capital?”, onde se menciona se existe período de reflexão ou anulação, se existe período de detenção mínima recomendada ou exigida e quais as consequências de um resgate do produto antes do vencimento ou do período de detenção recomendado , indicando todas as taxas e sanções aplicáveis neste caso;
- “Como posso apresentar queixa?”; seja sobre o produto ou sobre conduta do seu criador, vendedor ou pessoa que sobre o mesmo prestou consultoria;
- “Outras informações relevantes”; secção reservada a informações adicionais relevantes.
Saliente-se ainda que existe a obrigação de, no DIF, constar um aviso ao investidor não profissional, o qual é, por si só, revelador do grau de complexidade que um PRIIP pode comportar. A advertência anuncia: “Está prestes a adquirir um produto que não é simples e cuja compreensão poderá ser difícil”.
A 7 de abril de 2016, o Comité Conjunto das Autoridades Europeias de Supervisão finalizou e propôs à Comissão Europeia a sua proposta para execução do DIF.
Aguardemos agora pelos próximos passos de conclusão da versão definitiva do DIF, o qual esperamos que venha permitir uma maior transparência no funcionamento dos mercados e que permita a recuperação da confiança dos investidores.
Cremos que todo o investimento é necessário, mas não será útil nem prudente qualquer investimento que seja efetuado sem a devida ponderação e sem o conhecimento de todas as regras e riscos envolvidos.
Um crescimento sustentável tem de ser racional, responsável, ciente e informado.
Acreditamos que o DIF vem ajudar a descodificar um pouco o ainda muito desconhecido universo dos PRIIPs, auxiliando e permitindo o sulcar do brumoso campo dos produtos financeiros complexos.
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