Os/as Advogados/as têm visto, paulatinamente, depauperado o seu campo de intervenção, quer por via legislativa (já que diversos diplomas legais contemporâneos têm estendido a outros profissionais o acesso a áreas de actuação reservadas à Advocacia); quer porque a procuradoria ilícita cresce de forma vertiginosa, por um lado, pela criatividade de quem a pratica, por outro lado, porque os meios de comunicação são cada vez mais facilitadores da sua prática, bem como mais desafiadores no que tange o seu combate efectivo e eficaz.
No seio da Advocacia tem sido travada uma acesa discussão sobre esta questão.
Pelo menos desde 2012 surgiram propostas, no seio da Ordem dos Advogados, no sentido de viabilizar a importante medida de certificação electrónica dos actos próprios de Advogado/a, como medida de combate à procuradoria ilícita.
Não obstante, há ainda em 2019 uma atávica visão a este respeito, no seio da classe dirigente dos/as Advogados/as, a qual tem funcionado como travão a este importante progresso, sem que, contudo, seja possível vislumbrar razões de fundo ou de forma para que se defenda um status quo tão nocivo para a nossa actividade profissional, prejudicando, os/as Advogados/as e, a fortiori, aqueles e aquelas que são por estes/as representados/as.
Chega a ser constrangedor perceber-se que há dirigentes da O.A., nomeadamente, a cúpula dirigente do Conselho Regional do Porto que, assumindo uma postura (pseudo) elitista, a única preocupação que veicularam ao último Congresso dos Advogados, a propósito desta questão, é a da necessidade de se afirmar a advocacia como uma profissão tão “singular” que deve levar a O.A. a reivindicar um estatuto de superioridade para a mesma (apenas equiparável à docência universitária, ainda que esta não goze, tanto quanto julgamos saber, de qualquer prerrogativa constitucional), escrevendo num tom que se percepciona como desdenhoso relativamente à outras profissões, para chegar à peregrina conclusão da defesa da redução dos actos próprios dos Advogados/as, em termos deveras restritivos.
Ora, defender tal, é desconhecer de forma ostensiva o âmago da profissão de Advogado/a, renegando, por exemplo, o acervo de actos próprios atinentes à Advocacia preventiva (sendo que até é o próprio Estatuto da Ordem dos Advogados a fazer impender sobre os/as Advogados/as a obrigação de envidar todos os esforços no sentido de exaurir a possibilidade de composição extrajudicial do litígio).
No fundo, pretendem estes dirigentes que outras profissões, porque para tal estão habilitadas por Lei, continuem a praticar actos próprios de Advogados/as e que os actos a praticar por Advogados/as acabem restringidos ao um núcleo mínimo, os quais conciliarão – apenas – com a docência (se for universitária, o que é distinto da docência do ensino superior), não se compreendendo se, por descuido, por ignorância ou eloquentemente, consignaram, assim, que também os/as demais docentes do ensino superior serão tão “ímpios” , para o exercício da Advocacia, como os ali mencionados taxistas!
Felizmente para a nossa classe, têm sido tenazmente veiculadas outras posições que configuram a antítese deste paradigma e que vão no sentido de sugerir medidas – como seja a da certificação electrónica dos actos próprios – com vista ao combate efectivo e diligente (que já vai tardando) da procuradoria ilícita, bem como do reforço do papel do/da Advogado/a, através do alargamento do espectro de obrigatoriedade de intervenção dos/as mesmos/as.
É característico das nações mais evoluídas, por se tratar de uma conquista basilar dos Estados de Direito Democráticos, uma cultura de exercício de direitos, sob pena de os mesmos se esboroarem mumificados em direito codificado inerte.
E é consabido que o/a profissional habilitado/a a assegurar esse correcto exercício é o/a Advogado/a, portanto, no que respeita a sociedades que se querem desenvolvidas, quanto maior for o campo de intervenção do/a Advogado/a, tanto melhor.
É esta função social inerente à Advocacia, a verdadeira razão de a mesma gozar de assento constitucional (não já, e ao arrepio do que alguns parecem pensar, por sermos uma casta ungida desde o ventre materno!).
A par do robustecimento do campo de intervenção da Advocacia é preciso que sejam criados os mecanismos eficazes ao combate à prática de actos próprios por quem não está legalmente habilitado para tal.
É este o caminho certo, o qual, para ventura da nossa sociedade, foi prevalecente no último Congresso dos Advogados.
Facto que o Conselho Geral da Ordem dos Advogados parece não ter compreendido, atento o teor do recente parecer, proferido no âmbito do Processo n.º 14/PP/2018 -G, onde se pode ler que “Nos termos do disposto no artigo 83.º, 1, 2 e 6, do Estatuto da Ordem dos Advogados, os advogados estão impedidos de exercer a advocacia e, assim, impedidos de exercer o mandato forense ou a consulta jurídica, para entidades para quem exerçam, ou tenham exercido as funções de Encarregado de Proteção de Dados.” Entendimento, esse sim, que constitui uma singularidade se compulsarmos o que tem sido perfilhado pelas congéneres de outros países.
A caminharmos assim, com este desacerto, falta de consciência e noção mínima da essência da profissão de Advogado/a, é da própria Ordem dos Advogados que parte a ordem: “The first thing we do, let’s kill all the lawyers”.
Tal afigura-se inconcebível!
Por ora, estamos ainda vivos e a respirar, muito por força da clarividência daqueles/as que têm travado o nosso completo desaparecimento, sendo imperativo transpor para a realidade aquela segunda mundividência supra enunciada: mais pragmática, mais moderna e a única adequada.
Desejo, pois, um Ano Novo, com Vida Nova para a Advocacia portuguesa, o que vale por dizer, com Mais Actos, Mais Próprios!
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