A Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, que estabelece as medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, prevê o dever de abstenção pelas entidades obrigadas (nomeadamente instituições bancárias) quando saibam ou suspeitem que as operações podem estar associadas a fundos ou outros bens provenientes ou relacionados com a prática de atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo.
Associado a este dever está o dever de comunicação às autoridades relevantes da decisão de abstenção da realização da operação suspeita.
Após a comunicação da operação, pode ser determinada a suspensão temporária da execução dessa operação, significando a natureza temporária, naturalmente, que não se pretende que a suspensão seja definitiva, mas somente que durante um determinado período a operação fica em banho-maria até se concluir pela existência ou não de indícios da prática do crime de branqueamento.
O tempo de cozedura pode, no entanto, prolongar-se por mais de um ano de contas bancárias bloqueadas, sem que o respetivo titular possa movimentá-las a débito, assim ficando impedido de pagar quaisquer despesas. E essas contas bancárias podem corresponder a todo o património do suspeito ou arguido ou pode existir mais património, nomeadamente imobiliário, sobre o qual pode também ser aplicada uma medida que impeça a respetiva disposição. Na dúvida, presume-se que os bens e capitais que podem ter sido obtidos com décadas de trabalho lícito e esforçado devem ser todos mantidos no congelador.
Alguma jurisprudência cada vez mais maioritária entende que estas medidas de suspensão são meios de prova e não medidas de garantia patrimonial, pelo que não teriam de ser considerados na respetiva aplicação os limites estabelecidos para estas. Ou seja, não teria de haver contemplações, por exemplo, quanto à proporcionalidade ou à necessidade de aplicação das medidas em causa.
Acontece que aquele que fica sujeito a tais medidas, sendo uma pessoa singular, é um ser humano que precisa de habitação, de se alimentar, de pagar impostos, água, luz e gás, de alimentar, educar e cuidar dos filhos, de se defender no processo no âmbito do qual está a ser privado de tudo com os advogados que escolher.
E será proporcional ou, dir-se-á, será humano congelar todo o património do suspeito sem que as autoridades considerem a origem de todo ele fazendo, pelo menos, a separação daquele que, na sua perspetiva, é ilícito daquele que não tem qualquer relação com o crime em investigação?
É certo que existe o escape legal que permite obter autorização para a realização de operações pontuais durante a vigência da medida de suspensão. Contudo, esbarramos com decisões que consideram que pedir mais do que uma vez para que sejam admitidas operações que permitam o pagamento das despesas de alimentação, saúde, defesa e outras necessidades básicas é pedir demais, porque a repetição do pedido significa que a despesa não é pontual e, por isso, não deve ser autorizada a libertação de fundos que permita o respetivo pagamento. O mesmo é dizer que o suspeito só tem direito a comer, beber, ter defesa no processo ou providenciar educação aos filhos uma vez.
Estamos todos de acordo que o branqueamento de capitais tem de ser perseguido, mas não nos parece que a solução passe por adiar a averiguação sobre se todos os bens e capitais são produto de algum crime, estrangulando entretanto o suspeito e a sua família até ao limite da luta pela sobrevivência.
Sofia Ribeiro Branco – Forum Penal Associação de Advogados Penalistas
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