A (im)possibilidade de aplicação de presunções de natureza cível no procedimento de contra-ordenações laborais

Entende-se por contra-ordenação laboral o facto típico, ilícito e censurável que consubstancie a violação de uma norma que consagre direitos ou imponha deveres a um dos sujeitos da relação laboral, sendo punida com a respectiva coima.

O procedimento, cuja competência pertence à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), rege-se pelo disposto na Lei n.º 107/2009 de 14 de Setembro, a qual regulamenta o regime processual das contra-ordenações laborais e da Segurança Social, bem como pelos artigos 548.º a 566.º do Código do Trabalho, sendo ainda subsidiariamente aplicável o regime geral das contra-ordenações na sua versão actual introduzida pela Lei n.º 109/2001 de 24 de Dezembro.

Sucede que, no que concerne ao regime processual do ilícito de mera ordenação social, uma vez que este tem natureza sancionatória, ainda que tutelando interesses de natureza diferente e de menor gravidade do que os protegidos pelo direito penal, são-lhe igualmente aplicáveis alguns dos Princípios Fundamentais pelos quais este se rege, como o sejam o Princípio da presunção de inocência, o Princípio do in dubio pro reo e o Principio do acusatório.

Com efeito, da aplicação destes princípios resulta que, mesmo no âmbito do procedimento contra-ordenacional, é à acusação que compete acusar o arguido, imputando-lhe os factos integrantes da respectiva previsão normativa e bem assim fazer prova dos mesmos, não recaindo sobre este qualquer ónus probatório.

Em face do antedito, cumpre-nos questionar se poderá a presunção de laboralidade beneficiar a entidade administrativa no âmbito do procedimento das contra-ordenações laborais?

A presunção de laboralidade encontra-se prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho e o seu surgimento assenta na dificuldade de qualificação de uma determinada relação jurídica como sendo um contrato de prestação de serviços ou, ao invés, um contrato de trabalho.

A dificuldade de qualificação existe pelo facto de a característica diferenciadora de uma e outra figura ser a existência de subordinação jurídica, definindo-se esta pela supremacia que a entidade empregadora exerce sobre o trabalhador, o qual está sujeito às suas ordens e instruções, podendo, inclusive, ser disciplinarmente punido.

A aferição prática da existência ou não de subordinação jurídica, revela-se uma tarefa árdua, porquanto este é um conceito irrefutavelmente abstracto.

O legislador laboral consagrou no referido normativo um conjunto de indícios que, verificados dois deles, fazem presumir a existência de um contrato de trabalho, invertendo-se assim o ónus da prova em prejuízo do empregador, que terá que ilidir a presunção de que não existe, no caso concreto, qualquer relação de índole laboral.

Efectivamente, conseguindo o trabalhador provar dois dos factos aí enunciados, passa a pertencer à entidade empregadora a prova do facto de que a relação contratual existente não consubstancia um contrato de trabalho (a difícil prova na negativa).

A questão que colocamos é então a de saber se poderá a ACT, entidade responsável pelo procedimento das contra-ordenações laborais, socorrer-se desta presunção de laboralidade para aferir da existência de um contrato de trabalho e, por consequência, aplicar as respectivas coimas à entidade empregadora? Isto é, na eventualidade de a ACT necessitar de determinar a existência de um contrato de trabalho para poder aplicar uma coima, pode fazê-lo socorrendo-se da presunção de laboralidade legalmente instituída, fazendo assim recair sobre a entidade empregadora o ónus da respectiva contra-prova? Entendemos que não!

Como referimos anteriormente, em sede contra-ordenacional é à acusação que compete não só acusar mas também fazer prova dos factos que sustentam essa acusação.

Esta regra não é diferente no âmbito das contra-ordenações laborais.

De facto, consideramos que a ACT não pode decidir no sentido da existência de um contrato de trabalho com o fundamento de se verificarem dois dos indícios previstos no artigo 12.º do Código do Trabalho (e da consequente prevalência da respectiva presunção), onerando a arguida de provar o contrário.

Não suscitam quaisquer dúvidas que entendimento contrário consubstanciaria uma violação grosseira dos Princípios Fundamentais acima descritos.

Ademais, tal entendimento encontra ainda respaldo no facto de a presunção de laboralidade ter como fito proteger o trabalhador, parte vulnerável da relação, pelo que em momento algum poderia ser aplicável em benefício de uma entidade administrativa. O seu único beneficiário apenas pode ser o trabalhador.

Concluindo, cremos que não é possível a aplicação da presunção de laboralidade no âmbito do procedimento contra-ordenacional, apenas podendo esta ser invocada pelo trabalhador em processos de natureza laboral.

Este tem sido igualmente o entendimento jurisprudencial do Tribunal da Relação do Porto, nomeadamente vertido no seu Acórdão de 08 de Abril de 2013 e, bem assim, no seu recente Acórdão de 04 de Dezembro de 2017, os quais defendem que a presunção de laboralidade não tem aplicação no âmbito da responsabilidade contra-ordenacional.

Nuno Cerejeira Namora | Forum Penal – Associação de Advogados Penalistas

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