“A solidariedade é o sentimento que melhor expressa o respeito pela dignidade humana.“ — Franz Kafka
Os últimos acontecimentos que à Advocacia respeitam, quer internamente, quer internacionalmente, voltaram a dar um profundo significado e actualidade à expressão de Sobral Pinto: “A advocacia não é profissão de covardes”.
O Advogado e a Advogada são, e devem ser, quem está, intransigentemente, na primeira linha da defesa dos direitos humanos ameaçados ou lesados, e, conjuntamente com os demais interventores no sistema de administração da Justiça, garantir e preservar os pilares da Democracia, nada receando por serem os destemidos guardiões dos direitos, das liberdades e das garantias que lá estão, cristalizados na Constituição da República Portuguesa, em letra de Lei Fundamental, mas que pouca expressão teriam na nossa sociedade e na vida dos Cidadãos e Cidadãs, se nós, Advogados e Advogadas, tivéssemos medo de usar a Palavra e realizar a Acção.
O núcleo dos direitos subjectivos, públicos e privados, que a Lei tutela mais não é do que uma conquista histórica, feita a pulso por (muitos) Homens e Mulheres que nos antecederam e tiveram de arrostar com ferozes perseguições, terríveis exílios e até com a própria morte!
Basta, pois, ter o conhecimento do Passado mais recente, para se ter uma consciência de que também o silêncio, de quem sabe e vê, é uma arma que fere, e, no meu entendimento, uma cumplicidade que para sempre lançará a ignomínia sobre quem se calou, podendo – e devendo – ousar a Palavra e a Acção.
Os Advogados e as Advogadas também são vítimas do silêncio!
Quem exerce uma Advocacia livre e apenas comprometida com a Justiça (esse Princípio Jusnaturalista que transcende o Tempo e o Espaço!) sabe bem que há sempre um momento em que poderá ser colhido pela “roda” da profissão que escolheu honrar. Quem exerce a Advocacia, norteado pelo mais valioso núcleo que ela representa, já experimentou o que é ser vítima de um (qualquer) sistema e já sofreu na própria pele (e na Alma) a sonegação das suas próprias garantias e liberdades fundamentais, inclusivamente daquelas que integram a esfera do seu múnus, como uma capitis diminutio, que, não raramente, consubstancia um propósito dos poderes públicos instituídos para vexar na praça pública e para restringir a Liberdade de quem combate, por Si ou pelos Outros.
Sabe bem – quem sabe que a História é a maior lição para interpretar o Presente – quantos de nós são ameaçados, coagidos, humilhados, silenciados, feridos, presos e até assassinados! Fala a História em nome de todos quantos foram reprimidos, esmagados e silenciados por, precisamente, se encontrarem a pugnar pela Liberdade dos seus representados.
Ora, um Estado de Direito não se compadece com esta violação (ostensiva ou velada).
Os Advogados e as Advogadas terão de saber o preço a pagar pela resistência, quando agem contra qualquer ameaça que ponha em crise todos os seus princípios éticos, morais e os que decorrem da Constituição.
Que dizer, então, dos Advogados e das Advogadas que, no exercício da sua profissão (pautada pela Liberdade e pela Responsabilidade) se veem confrontados com ataques, quiçá motivados pelos prévios processos que são, apenas, a expressão, tout court, de uma perseguição movida pelos seus Pares?
Aconteceu com Valéria, que, para sua fortuna, encontrou em Cláudio Lamachia o espírito do “Senhor Justiça”, o espírito de um Advogado que, no caso concreto, corporizou tudo o que há de Melhor. O tal espírito e a natureza de alguém que a representou, sendo titular de um elevado cargo na OAB (Ordem dos Advogados Brasileira), logo, um primus inter pares, o Advogado dos Advogados.
Tudo isto no país irmão, sempre em jeito de samba canção, com estas proporções simbólicas e impressivas, a fazer-nos lembrar tantas e tantas Valérias que, por esse mundo fora, e também no nosso país, envergam a Toga e a quem tentam algemar a liberdade, a coragem e a determinação. Amiudadamente, caem nessa tentação alguns leigos, mas muito pouco juízes.
Há, pois, o dever moral e o imperativo ético de defender! E, para cada silêncio, uma denúncia!
Não podem as “Valérias” ficar desamparadas. A cada soco desferido na dignidade dos Advogados e das Advogadas , impõe-se que cada um de nós se insurja, e, por maioria de razão, o Advogado ou a Advogada que, naquele momento histórico, exerce funções na Ordem que a todos representa. Tal defesa deverá ser feita com elevação de carácter, com isenção, sem se preocupar em dissimular privados vícios. e, também, de acordo com as circunstâncias do caso, interpretando o referido momento histórico, “descendo” do seu cadeirão de braços para se solidarizar com o Advogado ou a Advogada que, erradamente, se julga apenas um “soldado-recruta”.
É uma verdade insofismável que os Advogados e as Advogadas que ingressam hoje nas “trincheiras” do mercado de trabalho, são confrontados com as rápidas e constantes transformações políticas, económicas, tecnológicas, sócio-culturais e legislativas que condicionam o modo como se relacionarão com o processo de administração da Justiça, com os seus Pares e a sua própria mundovisão e forma de intervir na sociedade e no Direito. Devem, pois, estar muito bem preparados. Não poderão nunca esquecer que a Advocacia é uma inexorável via para garantir a Cidadania e a Justiça que, em nome da Transparência, da Equidade e da Igualdade, (como da Liberdade e da Fraternidade, ideários da Revolução Francesa) não podem fechar-se sobre si mesmas, como houvesse sábios e torres de marfim…!
Esta exigente preparação, deve merecer aturado cuidado, por parte de quem tem essa responsabilidade, pois, de cada Advogado e Advogada se deve exigir arrojo, coragem e destreza e, nessa conformidade, em cada um de nós deve viver uma Alma inquieta e uma Vontade férrea de permanente superação.
Quem representa a nossa classe profissional deve ter, inequivocamente, um acervo de características pessoais (tudo começa dentro de nós…), de traços de carácter que validam a nossa matriz, a qual é a garantia, também, de que seremos capazes de preservar um estado de Direito Efectivo e Justo.
Por cada “Valéria” “algemada” tem de surgir um “Cláudio”, capaz de erguer a sua voz. Um Cláudio livre e não um “capataz”. Um “Cláudio” com uma estrutura moral e intelectual e que não se subsuma ao espírito de um mero funcionário subordinado que se deixa intimidar, ao ponto de fazer perigar a função social que a Advocacia desempenha, em prol da construção da Igualdade, da Justiça e do Estado Democrático de Direito.
Promover a união e a coesão de uma classe também é imperativo! Este é o caminho: um enérgico repúdio das atitudes autofágicas e lutas fratricidas, para preservar, intocado, o prestígio da Advocacia.
Quem representa a nossa classe profissional deve assumir a função com este espírito e deve demonstrar qualidades para ser um verdadeiro timoneiro, um farol aceso e cintilante, mesmo na noite mais escura, rasgando qualquer breu, contribuindo para a valorização da Advocacia.
Não será pois de se admitir que, em caso algum, se exerça, por qualquer forma, constrangimento sobre o Advogado ou a Advogada que, no exercício da profissão, e, mormente, no desempenho do patrocínio, o faz sem peias por saber que há alguém que nele ou nela deposita a sua última expectativa, a derradeira esperança.
Cláudio Lamachia interpretou e viveu este imperativo na perfeição, ao declarar: “Algemar uma advogada, dentro de uma sala de audiência, no exercício de sua profissão, é algo inaceitável, sob qualquer aspecto. O meu sentimento é que, naquele momento, a democracia brasileira foi algemada”.
Estou absolutamente convicta que representar a Advocacia reclama o imprescindível e profundo conhecimento de todos os “cantos” e “recantos” da nossa Alma, mesmo dos mais encobertos, todos matizes do mesmo: o âmago da Alma de quem enverga a Toga!
Lutaremos, pois, por mais “Cláudios” (e “Cláudias”) que não se deixam agrilhoar e muito menos compactuarão, alguma vez, com quaisquer tentativas de algemar a Advocacia, remetendo-a para um estado primitivo do qual nos afástamos já, em defesa da Cidadania, da Justiça e da Democracia.
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