De tempos em tempo, vozes se levantam clamando contra um suposto número demasiado elevado de testemunhas que prejudicaria a efectividade da justiça penal e a necessidade de colocar termo aos abusos dos sujeitos processuais (maxime, o arguido) nesta matéria.
Na nossa modesta opinião, a questão do número de testemunhas colocada como fundamento de “entorpecimento processual” infundado é uma falsa questão.
A lei limita as testemunhas no processo penal ao número de 20, podendo ser o número excedido se for demonstrado que tal é necessário para a descoberta da verdade, por exemplo quando o processo é particularmente complexo.
No processo penal, o que é determinante é a procura da verdade material e, como tal, todas as testemunhas cuja audição seja necessária para atingir esse desígnio devem ser ouvidas.
O depoimento deve incidir sobre o objecto da prova – ou seja os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis e ainda o pedido de indemnização civil, se existir. Se o depoimento se afastar destes elementos, ao abrigo da lei vigente, o juiz tem poderes para intervir reconduzindo o depoimento àqueles limites.
Mais, encurtar o número de testemunhas para a defesa, significaria fazer o mesmo para a acusação, para garantir a igualdade de armas. Ora, alguém equaciona que em processos complexos o Ministério Público só possa indicar número igual ou inferior a 20 testemunhas?
O facto é que o crescente número de testemunhas é consequência, não de actos irrelevantes ou supérfluos dos sujeitos processuais envolvidos, mas sim da crescente complexidade da nossa sociedade, do crime e, como tal, do processo penal. É nestes casos especialmente complexos que o problema se põe.
Mas essa maior complexidade não exige um “encurtamento” dos meios de prova e de exercício de direitos ou prerrogativas conferidas aos sujeitos do processo. E muito menos será pertinente uma solução de recurso ao depoimento escrito, solução que, além do mais, é contrária a um dos princípios fundamentais estruturantes do nosso processo penal, o da imediação. E que é pouco consentânea com processos sujeitos ao princípio do inquisitório, onde o acordo das partes não pode, em regra, determinar o destino do processo.
A maior complexidade da sociedade em geral, e dos processos e da criminalidade em particular, exigem, sim, uma maior amplitude na produção de prova, mas também um maior rigor e exigência na sua análise e no exercício dos direitos ou poderes-deveres que a lei confere aos sujeitos processuais que, na maioria dos casos, já estão adequadamente previstos na nossa lei.
Vânia Costa Ramos | Presidente do Fórum Penal – Associação de Advogados Penalistas
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