Desde que, em meados de dezembro de 2014, se tornou público o projeto de revisão do estatuto da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (a “CPAS”) que o tema do sistema de previdência dos advogados e solicitadores portugueses passou a estar sob os holofotes. Todavia, a discussão pública deste assunto, ao invés de um debate sério e com conteúdo, tem sido marcada por jogadas de puro tacticismo, acompanhadas do tradicional passa-culpas nacional, o que é inteiramente impensável num tema desta natureza.
Agora que foi conhecida publicamente a posição do Provedor de Justiça sobre este assunto, na qual várias questões são colocadas e ponderadas de forma serena e construtiva (algo ainda não visto na “discussão interna”), e que se completou um ano sobre a tristemente célebre Assembleia Geral realizada na Sociedade de Geografia de Lisboa, é novamente tempo de reforçar a ideia de que é absolutamente vital promover um verdadeiro debate sobre o sistema de previdência dos advogados e solicitadores portugueses. Deixo quatro notas, a este respeito.
Em primeiro lugar, parece-me quase caricato que, nos dias de hoje, se tenha que justificar a importância de um debate sobre um tema desta natureza no contexto em que se insere. As iniciativas de muitos de procura de esclarecimentos, de oposição ao que se impõe como “facto consumado” e de indagação pública dos titulares dos órgãos responsáveis têm, infelizmente, sido respondidas, ora com silêncio e indiferença, ora com a crítica, como cheguei a ouvir pessoalmente, de que tal atitude revelava descrença na “democracia representativa”. É preciso referir, as vezes que forem precisas, que esta revisão das regras da CPAS através de um procedimento que se tentou que fosse o menos público possível foi efetivamente um erro crasso, que cunhou a reforma com uma marca de água de desconfiança, prejudicando inclusivamente eventuais méritos que a mesma pudesse ter.
Em segundo lugar, parece-me inaceitável que um tema desta natureza seja constantemente instrumentalizado, em vez de ser objeto de um tratamento sério e responsável. É inaceitável a forma como os responsáveis maiores neste processo protagonizaram episódios que se mantém inexplicados – provavelmente por serem inexplicáveis – como sejam a mudança súbita de opinião sobre este projeto por parte da Bastonária/Conselho Geral ou a alegada impossibilidade de notificação da Direção da CPAS pela Mesa da Assembleia-Geral das deliberações adotadas na Assembleia-Geral de 06 de fevereiro de 2015 e que terá justificado a alegada não execução das mesmas.
Em terceiro lugar, considero muito imprudente que, nos dias de hoje, se tente aprovar a reforma de um sistema que assenta a sua viabilidade num “pacto” entre várias gerações sem consultar, esclarecer ou sequer estar disponível para receber as diferentes gerações que integram o sistema, em particular as mais novas. É absolutamente imprudente que se pretenda aumentar substancialmente o esforço das gerações mais jovens fugindo à explicação básica de demonstrar que o esforço de correção das regras foi distribuído de forma equitativa entre as várias gerações do sistema e sem apresentar um único argumento para a fixação do limite (de 15 anos) estabelecido nas normas transitórias do regime e/ou a eliminação de vários direitos consagrados para o início da carreira contributiva. Para este efeito, estão longe de ser suficientes proclamações tais como: “crê-se que, com as novas regras, se introduziu maior equilíbrio no pacto inter-geracional subjacente ao regime de segurança social da Caixa”, como a que se faz no último “Relatório e Contas” da CPAS referente ao exercício de 2015.
Em quarto lugar, sublinho ainda que é incompreensível que se tenha feito uma reforma da CPAS com esta natureza e profundidade sem se ter feito uma ponderação profunda sobre o papel, missão e objetivos da CPAS e sobre a necessidade de assumidamente se projetar a CPAS para outros domínios que não o meramente previdencial. Por exemplo, é incompreensível que, ao mesmo tempo que se sobrecarregam as gerações mais novas do sistema, se falhe, por exemplo, em atribuir dignidade estatutária a matérias tão básicas como as relativas à proteção na parentalidade.
Muito mais se poderia dizer para justificar a imperiosa necessidade de se realizar um debate profundo e sereno sobre o novo regulamento da CPAS, que permita restaurar a confiança que os intervenientes no sistema têm necessariamente que nutrir pelo mesmo e que nos afaste deste permanente assalto de consciência de termos de viver, sempre, com base em “factos consumados” ou “inevitabilidades”. Recordo uma frase que li algures, creio que de um filósofo espanhol do século passado, que dizia “somos mais pais do nosso futuro, do que filhos do nosso passado”. Assumamos, pois, a nossa responsabilidade histórica de reparar este erro e procuremos ser os “pais” de uma solução de futuro credível e respeitada, não nos resignando ao papel de, um dia mais tarde, sermos os “filhos” desse erro.
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