Da condenação na comunicação social à absolvição nos tribunais

Foi recentemente proferida uma exemplar decisão do Tribunal de Instrução Criminal da Comarca do Porto Este, Instância Criminal, Marco de Canavezes, que é antes de mais uma corajosa  afirmação de justiça, dado que o Juiz enveredou pela não pronúncia de quatro arguidos acusados da prática de um crime de fraude fiscal, p.p. art. 103.º, n.º1, al.a) e b), art. 104.º, n.º3 do RGIT, e um crime de branqueamento de capitais., p.p. 368.º-A, n.º1 a 3 do CP.

Trata-se de uma decisão instrutória proferida na sequência de uma abertura de instrução cuja acusação surge em resultado de uma denúncia anónima, que gerou sete anos de investigações, que absorveu recursos avultadíssimos ao Estado, com perícias tributárias, buscas domiciliárias, apreensões de documentos, e desembocou em dois arrestos e numa acusação que apenas foi proferida porque não houve, por parte do Ministério Público e da Autoridade Tributária a coragem de reconhecer que estavam errados, que as suspeitas eram infundadas.

Esta decisão aprecia criticamente quer os fundamentos dos arguidos, quer a tese da acusação, com grande qualidade e rigor científico.

O Tribunal de Instrução Criminal do Marco de Canavezes teve a preocupação de abordar todas as temáticas invocadas no Requerimento de abertura de Instrução e na Acusação, demonstrando um domínio do direito tributário e do direito penal excecional, tendo concluído que não estavam reunidos indícios, muito menos seguros, de que os crimes tivessem sido praticados.

No que respeita ao crime de fraude fiscal, teve o Juiz de Instrução Criminal a clarividência de perceber que o recurso aos métodos indirectos utilizados pela Autoridade Tributária, bem como a concreta quantificação do imposto a pagar (por presunção) não eram aptos a determinar de condutas ilícitas.

Concretizando, entendeu aquele Tribunal, aderindo ao argumento invocado pelos Arguidos que “(…) no quadro criminal e no preciso caso dos presentes autos, em que a administração fiscal assentou a quantificação da vantagem apenas na avaliação indirecta (vantagens aliás que ainda não liquidou), o recurso a tais métodos  de obtenção de prova materializa prova que não permite sustentar suficientemente os factos imputados, pelo menos no quadro das vantagens ditas branqueadas (…)”.

Ainda quanto a esta questão, concluiu que “ (…) a utilização dos métodos indirectos, pelo menos sem mais e no caso concreto, se mostra incompatível em termos de sustentar a responsabilidade criminal do agente – seja dos imputados fraude fiscal/branqueamento. “

Relativamente ao crime de branqueamento de capitais, não só o Tribunal considerou que, tal como argumentado pela Defesa, a Acusação não continha, sequer em abstracto, os pressupostos objectivos e subjectivos desse crime, como ainda reconheceu que os factos imputados não constituíam a prática de um crime de branqueamento.

Exemplo paradigmático, e bem ilustrativo, foi o afastamento de qualquer ilicitude – que o Ministério Público entendeu invocar – numa aquisição de um imóvel por parte da sociedade, por 200.000,00€, quando essa mesma empresa factura, declarou e pagou impostos sobre milhões de euros por ano.

Quanto aos depósitos efectuados nas contas bancárias dos Arguidos, defendeu o Tribunal de Instrução Criminal que “ (…) no quadro do crime precedente (fiscal) colocar a vantagem dele resultante em depósitos em contas bancárias tituladas pelo próprio agente do facto precedente é, com todo o respeito por diversa posição, inidóneo de afirmar extremamente essa intenção, tanto que, com o se sabe, as autoridades judiciárias têm um acesso praticamente irrestrito às contas bancárias.”

Ademais,  entendeu o Juiz de Instrução Criminal que “ (…) mais sintomático dessa idoneidade do comportamento objectivo para revelar a intenção é o facto de o próprio agente do facto ilícito precedente dissimular a vantagem em bens imóveis registados em seu nome e com inscrição na própria autoridade tributária (certamente pagando impostos: IMI e IUC), onde esta abertamente controla as divergências entre o declarado e o efectivamente detido.”

Deste modo, fez-se prova que não existia qualquer esquema de lavagem ou ocultação de dinheiro, como é o caso típico de desvios para contas offshore ou constituição de empresas fantasmas.

Pelo contrário, todo o património dos Arguidos, licitamente adquirido, estava depositado em seu nome (no caso de dinheiro) ou registados nas Conservatórias predial e automóvel.

O relevo desta decisão traduz-se na coragem de não pronunciar os arguidos após 7 anos de investigação e discussão do processo na praça publica em decorrência das diversas noticias, que davam conta de uma condenação antecipada.

Pedro Marinho Falcão | Fórum Penal – Associação de Advogados Penalistas

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